Investigação aponta que piloto de helicóptero que caiu na Serra da Cantareira tinha usado cocaína e remédio para dormir

  • 18/09/2025
(Foto: Reprodução)
Destroços do helicóptero que caiu na Zona Norte de São Paulo nesta sexta Divulgação/Corpo de Bombeiros A queda de um helicóptero que matou piloto e copiloto na região do Pico do Jaraguá, Zona Norte de São Paulo, em agosto de 2022, não ocorreu por falha mecânica, mas por uma combinação de fatores envolvendo condições meteorológicas, planejamento de voo inadequado e decisões de pilotagem falhas. O uso de cocaína e medicamentos psicoativos pelo piloto também pode ter comprometido a concentração e a capacidade dele no comando da aeronave. É o que aponta o relatório final da investigação do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) divulgado em 2 de setembro. O helicóptero era um Agusta 109-E, prefixo PP-JMA, fabricado em 2010 e com capacidade para sete passageiros. Ele decolou do Heliponto Helicidade com destino ao Heliponto Fazenda em Extrema, Minas Gerais, às 20h58, para buscar o presidente do grupo XP, Guilherme Benchimol. Contudo, durante o voo, a aeronave colidiu contra um morro localizado no conjunto de montanhas da Serra da Cantareira, em Caieiras, Grande São Paulo, área limítrofe com a Zona Norte da capital paulista, na região do Pico do Jaraguá. O relatório enfatiza que o tipo do acidente foi "voo controlado contra o terreno", que é quando uma aeronave, embora aparentemente em voo normal, com motores e todos os sistemas do avião ainda em perfeito funcionamento, acaba colidindo. Neste caso, contra um morro. Conforme o g1 apurou, equipes do Corpo de Bombeiro foram até o local, mas encontraram o piloto e o copiloto sem vida. A rota do voo e condições do helicóptero Queda de helicóptero aconteceu na região do pico do Jaraguá, Zona Norte de São Paulo, perto de uma torre de alta tensão no dia 5 de agosto de 2022 Reprodução/Cenipa Segundo o relatório do Cenipa, o helicóptero decolou com combustível suficiente e estava com o Certificado de Aeronavegabilidade válido. Ambos os motores funcionavam corretamente, e o transponder (que ajuda o controle de tráfego aéreo a identificar, rastrear e monitorar aeronaves) transmitia normalmente até a colisão. Entretanto, não havia sido transmitido plano de voo ao Controle de Tráfego Aéreo, e o copiloto não era funcionário formal do operador. Durante o trajeto, a aeronave desviou-se das rotas regulamentadas, seguindo em voo visual em condições noturnas e com visibilidade reduzida. 🔍O voo visual é um tipo de operação em que o piloto navega principalmente observando referências visuais no terreno, como estradas, rios, prédios e outros pontos de referência, sem depender exclusivamente de instrumentos de navegação. Cinco minutos antes da colisão, o teto de nuvens em São Paulo, localizado a cerca de 24 quilômetros do local do acidente, estava a apenas 300 pés (aproximadamente 90 metros) de altura, criando condições extremamente desfavoráveis para a navegação visual. A baixa luminosidade do voo noturno, combinada com nuvens baixas, dificultou a percepção do terreno pelo piloto. "As restrições de teto e visibilidade no local do acidente também foram confirmadas por um helicóptero do CAvPM. Logo após o acidente, uma aeronave do Comando de Aviação tentou alcançar o local da ocorrência, no entanto, as condições meteorológicas desfavoráveis impediram o sobrevoo em função da camada de nuvens que envolvia o local do acidente. A análise das condições meteorológicas revelou que a combinação de nebulosidade baixa, precipitação e baixa luminosidade foram elementos que contribuíram para o acidente", enfatiza a investigação. Fatores humanos e decisões de pilotagem O relatório do Cenipa ainda detalha que o piloto adotou a prática do voo “visumento”, termo coloquial usado quando o piloto, intencionalmente, entra em áreas de visibilidade limitada ou nula, confiando nos instrumentos de navegação e nos sistemas de automação da aeronave, mas sem seguir as regras e os procedimentos adequados para um voo por instrumento, operação em que se utiliza exclusivamente os instrumentos de bordo para navegação e controle. Conforme a investigação, essa atitude foi inadequada, associada ao excesso de confiança e impulsividade. "A prática do voo 'visumento', por parte dos pilotos, refletiu dificuldades na sua forma de pensar, sentir e reagir em seu meio, indicando posturas inadequadas como a complacência, o excesso de confiança na automação, a impulsividade e a inobservância de regulamentos e procedimentos de segurança", concluiu o Cenipa. O exame toxicológico do piloto detectou presença de cocaína e de substâncias psicoativas em seu organismo, sendo os medicamentos Clonazepam, Venlafaxina e Zolpidem. Conazepam tem como principal propriedade a inibição leve das funções do sistema nervoso central, permitindo assim uma ação anticonvulsivante, sedação, relaxamento muscular e efeito tranquilizante, sendo utilizado normalmente como ansiolítico e sedativo. Venlafaxina é antidepressivo, e Zolpidem, usado no tratamento dos distúrbios do sono. Essas substâncias estão expressamente proibidas para a atividade aérea pela Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998, do Ministério da Saúde, e referenciadas na IS nº 67-004, que versa sobre os requisitos para concessão de Certificado Médico Aeronáutico (CMA). O Cenipa aponta que o uso de entorpecente e dos medicamentos pode ter influenciado na concentração e capacidade do piloto, mas classificou como 'indeterminado' na conclusão sobre o uso nos fatores contribuintes. "O exame toxicológico do PIC [piloto em comando] identificou em seu organismo a presença de fármacos classificados como substâncias psicoativas, incluindo clonazepam, venlafaxina e zolpidem. Essas substâncias podem ter comprometido a capacidade cognitiva, o tempo de reação, a concentração e a tomada de decisão, dentre outros aspectos, do PIC", diz a investigação. E também destaca: "É possível que o uso de cocaína tenha degradado a capacidade do PIC [piloto] operar a aeronave de maneira adequada, contribuindo para a ocorrência". Além do uso de substâncias, o Cenipa apontou que desafios pessoais do piloto, como problemas familiares e estado depressivo, possivelmente afetaram sua capacidade cognitiva e emocional. "Os desafios pessoais enfrentados pelo PIC [piloto em comando], bem como o uso de substâncias psicoativas, podem ter impactado a sua capacidade cognitiva, bem como o humor e a consciência. Dessa forma, é possível que tais alterações tenham influenciado no desempenho e no processo decisório do PIC [piloto em comando] durante o voo". Já a falta de aderência às normas operacionais, regulamentos e regras de tráfego aéreo, a investigação destaca que contribuiu para o acidente. "O comportamento de prosseguir o voo visual em condições meteorológicas adversas, aliado ao uso de substâncias proibidas para a atividade aérea evidenciou uma conduta contrária aos preceitos de segurança e aos regulamentos estabelecidos pela autoridade aeronáutica." Condições meteorológicas e planejamento inadequado O helicóptero enfrentou teto baixo e visibilidade reduzida, condições desfavoráveis para voo visual noturno. O planejamento da rota e da altitude não levou em consideração essas restrições, aumentando o risco de colisão com o terreno. A operação fora das rotas regulamentadas, em voo noturno e sob nuvens baixas, criou um cenário propício para um voo controlado contra o terreno. Cronologia crítica do acidente Decolagem: aeronave abastecida e motores em funcionamento, plano de voo não transmitido e voo visual. Em rota: desvio das rotas regulamentadas, baixo teto de nuvens e visibilidade limitada e início de condições adversas. Cinco minutos antes da colisão: teto de 300 pés em São Paulo com dificuldade de percepção do relevo. Colisão: helicóptero atinge o cume de um morro com velocidade aproximada de 165 kt, o que equivale a aproximadamente 305,6 km/h, em voo controlado, resultando em destruição da aeronave e mortes dos dois pilotos. Fatores contribuintes para o acidente considerados pelo Cenipa Atenção: indeterminado Atitude: contribuiu Condições meteorológicas adversas: contribuiu Cultura do grupo de trabalho: indeterminado Estado emocional: indeterminado. Influências externas: indeterminado. Julgamento de pilotagem: contribuiu. Percepção: indeterminado. Planejamento de voo: contribuiu. Processo decisório: contribuiu. Uso de medicamento: indeterminado. Uso ilícito de drogas: indeterminado. Falta de Aderência às Normas: contribuiu. Recomendações de segurança Ao fim do relatório, o Cenipa recomenda que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) divulgue os aprendizados da investigação, reforçando a necessidade de voos visuais apenas em condições meteorológicas seguras e a importância do planejamento de rota e altitude compatíveis com o voo noturno e VFR. "À Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), recomenda-se divulgar os ensinamentos colhidos nesta investigação durante os eventos de promoção da segurança operacional, objetivando difundir os riscos associados aos voos VFR [regras de voo visual] em condições restritas de visibilidade assim como a necessidade do cumprimento dos requisitos estabelecidos nas normas em vigor", disse a investigação. Já sobre o uso de entorpecentes e medicações proibidas, o Cenipa não mencionou em sua recomendação. Inquérito policial Após o acidente, a Polícia Civil abriu um inquérito policial para investigar o acidente de helicóptero como homicídio culposo. Foram ouvidos os donos da aeronave, testemunhas e parentes das vítimas. No dia 2 de setembro de 2024, o promotor de Justiça Marcelo Otávio Médici promoveu o arquivamento dos autos por ausência de justa causa para deflagração da ação. Pontuou que os peritos não conseguiram determinar os fatores que levaram à queda da aeronave e não encontraram irregularidade com relação aos registros das empresas e da aeronave. "Não há nos autos elementos seguros que possibilitem atribuir culpa criminal à empresa ou aos respectivos responsáveis, devendo a questão ser tratada na esfera cível, passível de indenização", alegou a promotoria. Entretanto, a família do copiloto manifestou-se contrariamente ao arquivamento e argumentou que a fundamentação não se sustenta devido à alegada ausência de investigação e à omissão do laudo necroscópico no laudo pericial técnico-científico. Em nota, o Ministério Público informou que Procuradoria-Geral de Justiça manteve a promoção de arquivamento determinada pelo promotor. "Após colher a defesa técnica que representa uma das partes, a PGJ concluiu que os fundamentos apresentados pelo promotor são procedentes", informou o órgão. Bombeiros trabalham no resgate de helicóptero na Zona Norte de São Paulo Corpo de Bombeiros/Divulgação Destroços do helicóptero que caiu na Zona Norte de São Paulo nesta sexta Corpo de Bombeiros/Divulgação

FONTE: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/09/18/investigacao-aponta-que-piloto-de-helicoptero-que-caiu-na-serra-da-cantareira-tinha-usado-cocaina-e-remedio-para-dormir.ghtml


#Compartilhe

Aplicativos


Locutor no Ar

Peça Sua Música

Estamos ao vivo faça o seu pedido musical

Anunciantes